Incide ITCMD (Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doação) sobre o previdência privada?

A incidência do ITCMD sobre planos de previdência privada sempre foi motivo de debate, especialmente quanto aos valores recebidos pelos beneficiários após o falecimento do titular. Nesse cenário, surge a dúvida: o repasse dos valores dos planos VGBL e PGBL caracteriza herança tributável? Durante muito tempo, decisões judiciais divergiam quanto à natureza desses planos. Contudo, o Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar o Tema 1214 da repercussão geral, fixou entendimento vinculante e declarou a inconstitucionalidade da cobrança do ITCMD nesses casos, ao reconhecer que os valores não integram o espólio, por decorrerem de contratos de natureza securitária e previdenciária, afastando sua tributação por transmissão causa mortis.

Gabriel Selhorst Mattoso Travinski

8/21/20253 min read

Em recente julgamento de repercussão geral, o Supremo Tribunal Federal, ao analisar o Tema 1214, firmou importante entendimento sobre a inconstitucionalidade da incidência do ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação) sobre valores recebidos por beneficiários de planos de previdência privada do tipo VGBL (Vida Gerador de Benefício Livre) e PGBL (Plano Gerador de Benefício Livre) em razão do falecimento do titular.

A controvérsia submetida ao STF girava em torno da natureza jurídica desses planos e da possibilidade de se enquadrarem como verdadeira “transmissão causa mortis”, o que, à luz do art. 155, I, da Constituição Federal, poderia ensejar a incidência do referido imposto estadual. O centro da discussão estava justamente na distinção entre os planos de previdência privada e os institutos típicos da sucessão legítima, como o espólio e os bens transmitidos diretamente por herança.

No caso concreto que deu origem à controvérsia, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro havia decidido que os valores provenientes do VGBL não poderiam ser tributados pelo ITCMD, reconhecendo sua natureza de contrato de seguro de vida, o que afastaria sua inclusão na herança. Por outro lado, manteve a incidência do imposto sobre o PGBL, considerando sua característica híbrida, próxima da poupança previdenciária, o que trouxe insegurança jurídica e a necessidade de pacificação do tema no âmbito constitucional.

Com a decisão proferida pelo STF, prevaleceu o entendimento de que os valores devidos aos beneficiários de VGBL e PGBL não integram o espólio do falecido, pois decorrem de contratos de natureza securitária ou previdenciária, regidos por normas específicas e não submetidos ao regime sucessório tradicional. Em razão disso, não se configura a hipótese constitucional de transmissão causa mortis, sendo, portanto, inconstitucional a incidência do ITCMD nesses casos.

Essa interpretação tem impacto prático significativo para o planejamento sucessório e patrimonial. A decisão confere maior segurança jurídica àqueles que optam por estruturar sua sucessão por meio de instrumentos legítimos de previdência privada, especialmente os planos VGBL e PGBL, os quais vêm sendo amplamente utilizados como forma de organizar e proteger o patrimônio familiar, com maior agilidade e menor ônus tributário.

Além disso, a decisão do STF reforça um ponto essencial: a distinção entre o que é direito sucessório e o que é contrato autônomo com cláusula de beneficiário, como ocorre nos planos em questão. Ao reconhecer que os valores pagos ao beneficiário decorrem do vínculo contratual firmado com a seguradora ou entidade de previdência, e não de um vínculo sucessório, o Supremo reafirma que não há herança a ser transmitida nesses casos — apenas o cumprimento de uma obrigação contratual.

Vale lembrar que, em um cenário de alta litigiosidade tributária e incertezas interpretativas frequentes, especialmente quando se trata da competência dos estados para tributar heranças, decisões como essa trazem previsibilidade e evitam distorções nos planejamentos familiares. Importante destacar, ainda, que a decisão possui efeito vinculante, valendo para todos os processos judiciais e administrativos que discutam a mesma matéria, nos termos do artigo 102, § 2º, da Constituição Federal.

Diante desse panorama, reforça-se a importância da assessoria jurídica especializada em Direito das Sucessões e Planejamento Patrimonial, tanto para orientar a escolha dos instrumentos mais adequados, quanto para evitar surpresas tributárias que possam comprometer a estratégia familiar. O uso de planos VGBL e PGBL deve ser realizado com análise técnica, considerando o perfil do cliente, os valores envolvidos, os objetivos de longo prazo e as recentes diretrizes jurisprudenciais.

A decisão do STF no Tema 1214 representa, portanto, um avanço em termos de segurança jurídica e respeito à autonomia privada, confirmando que nem todo repasse decorrente da morte do titular deve ser enquadrado como herança, e, consequentemente, tributado como tal.

https://portal.stf.jus.br/jurisprudenciaRepercussao/verAndamentoProcesso.asp?incidente=6318604&numeroProcesso=1363013&classeProcesso=RE&numeroTema=1214