Renunciou à herança e apareceu outro bem após a primeira partilha?

A renúncia à herança é um tema que costuma gerar dúvidas, especialmente quando, após o encerramento do inventário, surgem bens antes desconhecidos. Nesse cenário, surge a indagação: o herdeiro que renunciou pode reivindicar esses bens na sobrepartilha? No âmbito do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR), por um período, coexistiram dois entendimentos distintos sobre a questão, até que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmou posição em decisão recente.

Gabriel Selhorst Mattoso Travinski

8/21/20253 min read

A renúncia à herança é um ato jurídico previsto no ordenamento brasileiro, de natureza unilateral, irrevogável e indivisível. Quando realizada, ela implica a desistência plena e total dos direitos hereditários daquele que a manifesta, retroagindo seus efeitos à data da abertura da sucessão. Em outras palavras, o renunciante é considerado, para todos os efeitos legais, como se nunca tivesse sido herdeiro. Apesar da aparente simplicidade, esse tema tem gerado debates jurisprudenciais relevantes, sobretudo diante da hipótese de descoberta de novos bens após a conclusão do inventário e da realização da renúncia.

No Tribunal de Justiça do Paraná, formaram-se, ao longo do tempo, duas correntes de entendimento a respeito da possibilidade de um herdeiro que renunciou à herança reivindicar posteriormente a inclusão de um bem recém-descoberto. De um lado, há quem defenda que a renúncia realizada de forma regular não pode atingir bens cuja existência era completamente desconhecida à época da manifestação de vontade. Para essa corrente, a renúncia seria ineficaz quanto aos bens supervenientes ao inventário, desde que o herdeiro consiga comprovar de maneira inequívoca que só teve ciência da existência do bem após a renúncia. Exemplos de provas aceitáveis seriam notificações para pagamento de débitos condominiais ou a formalização de registros posteriores à partilha, que evidenciem a ausência de má-fé. Essa posição encontra fundamento no princípio da boa-fé objetiva, que veda o abuso de direito e garante o equilíbrio das relações jurídicas, principalmente em matéria sucessória.1

Por outro lado, consolidou-se no mesmo tribunal o entendimento de que a renúncia é absoluta e abrange o acervo hereditário como um todo, ainda que o herdeiro, no momento da manifestação de vontade, não tivesse pleno conhecimento da totalidade dos bens envolvidos. Trata-se de uma declaração de vontade irretratável, que não comporta condição, restrição ou divisão. A renúncia, assim, não poderia ser “parcial”, nem ser afastada com base na superveniência de patrimônio oculto à época da sucessão. Ainda que novos bens sejam descobertos após a partilha, a sobrepartilha não pode ser utilizada para restaurar a condição de herdeiro de quem já havia formalmente renunciado. Essa visão reforça a segurança jurídica do ato jurídico puro, conforme previsto na legislação e na doutrina majoritária.2

A controvérsia foi, recentemente, analisada e pacificada pelo Superior Tribunal de Justiça. Em 13 de maio de 2025, a 3ª Turma do STJ, sob relatoria do Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, decidiu, por unanimidade, que a renúncia à herança é definitiva e impede o herdeiro renunciante de participar de eventual sobrepartilha de bens descobertos posteriormente. Segundo o voto do relator, a renúncia extingue o direito hereditário “como se o herdeiro nunca tivesse existido” para os fins sucessórios, sendo vedada sua participação em qualquer partilha complementar, tampouco em procedimentos paralelos, como habilitação em falência de empresa devedora ligada ao espólio. 3

O relator destacou ainda que a sobrepartilha, prevista nos artigos 2.022 do Código Civil e 669 do Código de Processo Civil, tem como objetivo exclusivo a partilha de bens não incluídos na divisão original, mas não tem o condão de invalidar a partilha anterior ou alterar os efeitos definitivos da renúncia regularmente formalizada. Dessa forma, ainda que se trate de bem de valor elevado ou de expressiva importância econômica, a superveniência patrimonial não legitima a reintegração do herdeiro renunciante ao processo sucessório.

Diante desse cenário, observa-se que a renúncia à herança deve ser tratada com extremo cuidado, exigindo análise minuciosa de todos os aspectos patrimoniais envolvidos, bem como levantamento detalhado dos bens que compõem o espólio. Em muitos casos, a pressa em evitar dívidas ou conflitos entre herdeiros leva à renúncia sem a devida compreensão das consequências definitivas desse ato.

Assim, antes de formalizar a renúncia, o mais prudente é que o herdeiro consulte um advogado especializado em Direito das Sucessões, que poderá orientar de forma técnica e estratégica, inclusive quanto à possibilidade de realização de inventário negativo, planejamento sucessório ou outras medidas preventivas. A renúncia, uma vez feita, não pode ser revista com base em arrependimento ou surpresa futura, e essa é uma das razões pelas quais a assessoria jurídica adequada é essencial na condução de qualquer procedimento de inventário.

1 - TJPR - 12ª Câmara Cível - 0012397-91.2024.8.16.0014 - Londrina - Rel.: DESEMBARGADOR EDUARDO AUGUSTO SALOMÃO CAMBI - J. 02.06.2025.

2- TJPR - 11ª Câmara Cível - 0014155-73.2021.8.16.0188 - Curitiba - Rel.: DESEMBARGADOR RUY MUGGIATI - J. 31.03.2025

3 - https://www.migalhas.com.br/quentes/430258/stj-exclui-de-partilha-de-novos-bens-herdeiro-que-renunciou-a-heranca